O fornecimento de bem durável ao seu destinatário final põe termo à eventual cadeia de seus fornecedores originais, de modo que, a posterior revenda desse mesmo bem por seu adquirente constitui nova relação jurídica obrigacional com o eventual comprador e, por conseguinte, não se pode estender aos integrantes daquela primeira cadeia de fornecimento a responsabilidade solidária de que trata o art. 18 do CDC por eventuais vícios que este venha a futuramente detectar no produto.
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Cinge-se a discussão a definir a possibilidade de o fornecedor originário de veículo responder solidariamente, à luz do art. 18 do CDC, pelos prejuízos decorrentes da adulteração de hodômetro constatada após a revenda do referido bem pelo consumidor final a terceiro. Sobre o tema, cabe salientar que nos termos da legislação de regência, só há falar em responsabilidade solidária entre os fornecedores integrantes de uma mesma cadeia de oferecimento de produtos e/ou serviços, não podendo ser responsabilizado prestador pertencente à cadeia anterior à retirada de bem durável do mercado de consumo (a partir de sua aquisição pelo destinatário final) por prejuízos constatados no futuro em virtude da revenda do referido bem, independentemente de ter sido esta materializada com a celebração de um negócio meramente civil ou com o surgimento de uma nova relação de consumo. Na hipótese analisada se está diante de corriqueira sucessão de negócios destinados à venda e revenda de bem durável, representada por duas relações jurídicas bem distintas, ou seja, uma primeira cadeia de consumo foi formada e encerrou-se quando o primeiro vendedor alienou o veículo ao consumidor (destinatário final). Uma nova e independente cadeia iniciou-se quando este, que adquiriu o automóvel e lhe deu destinação final, decidiu entregar o referido bem à empresa de agenciamento de veículos para recolocá-lo no mercado. É dizer, o bem desvinculou-se de uma cadeia de consumo quando saiu de mercado para integrar o acervo patrimonial de seu destinatário final. Após, foi inserido em outra cadeia de consumo ao retornar ao mercado através dos serviços de agenciamento contratados por seu proprietário para facilitar-lhe a revenda; serviço este que, aliás, não pode servir de justificativa para que a referida agência de veículos seja parte integrante da cadeia de fornecimento de que fez parte o vendedor primeiro. Resulta inconteste, assim, a descontinuidade (quebra) entre as duas relações de consumo, que resulta na inexistência de relação jurídica entre o primeiro vendedor e o último adquirente do automóvel. Oportuno ressaltar, ainda, que o vício ensejador da propositura da presente demanda não consiste em mero defeito de fabricação, mas em verdadeira prática ilícita ulterior à entrada do veículo em circulação (a adulteração do hodômetro com o propósito de reduzir a desvalorização natural do preço do automóvel no mercado), pelo que eventualmente só poderia responder o primeiro vendedor se tivesse o último adquirente do veículo produzido prova concreta de sua participação no referido evento. Desse modo, ainda que se possa afirmar a responsabilidade solidária do anterior proprietário do veículo e da agência por ele contratada para revendê-lo ao terceiro, não se afigura possível estender tal responsabilidade ao primeiro vendedor, pelo menos não sob a alegação de que estaria ela alcançada por suposta solidariedade determinada pelas regras de proteção do Código de Defesa do Consumidor.
Decisão publicada no Informativo 603 do STJ - 2017
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